Brasilienses apostam em carinho e estímulos para o desenvolvimento das crianças
A população do Distrito Federal acredita que dar carinho e oferecer estímulos por meio de conversas, cantos e leituras são componentes fundamentais para o desenvolvimento das crianças. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), na capital esse tipo de cuidado é levado a sério, e 90,6% dos entrevistados dizem fazer isso na prática.
A diretora de Estudos e Políticas do IPEDF, Marcela Machado, explica que, para entender como estão as crianças do DF, é preciso ir além dos cuidados básicos como alimentação e educação. Por isso, o estudo levantou questões como o desenvolvimento motor, cognitivo, emocional e social.
Ela afirma que é essencial entender como as crianças são cuidadas, como seus cuidadores entendem a importância do afeto, se a criança é respeitada e se a rede de apoio entende a importância de toda essa atenção para o desenvolvimento infantil.
“O carinho é transformador. Por meio desse vínculo e do olhar do cuidador, ele acontece. O DF é o lugar em que a gente consegue trabalhar esse lado emocional através do carinho”
Mayara Noronha Rocha, primeira-dama do DF
“Quando a gente cuida da primeira infância, a gente está contribuindo também para que as crianças se tornem adultos mais tranquilos, mais bem preparados para a vida emocional”, observa a diretora.
Uma das atuações do Governo do Distrito Federal (GDF) para garantir esses cuidados é o Serviço de Acolhimento Familiar para Crianças e Adolescentes, mais conhecido como Família Acolhedora, iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF). O programa é voltado para crianças afastadas judicialmente de suas famílias consanguíneas.
O serviço é uma medida protetiva prevista no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) em casos de ameaças ou violações de direitos, tanto por ação ou omissão do Estado, dos pais ou responsáveis quanto pela própria conduta. Diferentemente da adoção, tem caráter provisório e excepcional, devendo visar à reintegração familiar ou, em último caso, o encaminhamento para família substituta.
Coordenadora da Chefia-Executiva de Políticas Sociais do GDF, a primeira-dama Mayara Noronha Rocha ressalta que a base emocional de uma criança faz diferença na vida adulta.
“Dentro do governo, a gente busca trabalhar ações que vão além das políticas, indo além, no brincar e nas emoções”, afirma a primeira-dama. “O carinho é transformador. Por meio desse vínculo e do olhar do cuidador, ele acontece. O DF é o lugar em que a gente consegue trabalhar esse lado emocional através do carinho.”
Afeto na prática
Amor e carinho têm de sobra no lar da dona de casa Beatriz Queiroz, de 36 anos, moradora do Cruzeiro. Mãe de dois meninos de 12 e 5 anos, ela decidiu que era hora de compartilhar esse afeto com crianças que esperam voltar para suas famílias ou aguardam a chegada dos futuros pais na fila de adoção.
Desde 2020, ela e o marido já acolheram quatro crianças de diferentes idades e demandas bem específicas, como a pequena Marina*, que à época tinha apenas um ano e que precisava se alimentar por meio de sonda devido a um problema de saúde. Antes de chegar à família, a bebê havia passado oito meses internada. Nessa época, a criança não se sentava nem rolava.
“Nós começamos a estimulá-la e a integramos em nossa rotina. Nós a levávamos a todos os lugares a que íamos”, conta Beatriz. “Na época, meu filho mais velho tinha oito anos, e o mais novo, um ano. Ele tinha acabado de deixar de mamar.”
Por trás desse cuidado, muita empatia para conseguir aceitar as histórias das crianças acolhidas sem fazer julgamentos sobre suas famílias que, muitas vezes, erram por não saberem fazer de outro jeito. A pequena Marina teve de ser afastada de sua mãe, que, por problemas relacionados à saúde mental, não tinha condições de cuidar da criança.
A avó materna se dispôs a exercer esse papel. Porém, por ser analfabeta, ela não conseguia prestar a assistência necessária à neta, como dar o medicamento correto no horário e oferecer a alimentação específica, já que a pequena não podia comer alimentos sólidos.
Beatriz exerceu papel fundamental para que a família consanguínea conseguisse se unir novamente. Ela foi até a casa da avó algumas vezes e lhe ensinou como ministrar os medicamentos, preparar e oferecer os alimentos. Quando surge qualquer dúvida, elas também conversam por telefone.
“O carinho e o amor vão sendo construídos no gesto, no cuidado. Não precisa de muita coisa”, garante Beatriz. Ainda segundo ela, tem sido possível manter os vínculos não apenas com Marina, hoje com quatro anos, mas com todas as quatro crianças acolhidas.
Retribuir o amor
Foi enquanto assistia a uma reportagem sobre o projeto Família Acolhedora que a dona de casa Ana Sara Conceição Carvalho, de 36 anos, moradora da Vila Cauhy e mãe de dois meninos de 12 e 4 anos, reconheceu a vontade de cuidar de crianças em situações tão delicadas. Acolhida por um familiar durante a infância, ela viu a oportunidade de retribuir o cuidado recebido. Depois de conversar com o marido, entrou em contato com o Aconchego e os dois começaram a se preparar para que o lar fosse um lugar de cuidado para além da própria família.
“Foi coisa do destino. Fizemos a entrevista e perguntaram qual era o perfil das crianças que queríamos receber. Na mesma noite, nos ligaram”, conta sobre a chegada de Luiza*, que tinha apenas 20 dias de nascida e havia sido entregue para adoção. “Ficamos muito ansiosos. O primeiro encontro foi emocionante. Não julgo [a mãe] porque não sei da situação da entrega [para adoção]”, ressalta.
Toda a família se envolveu com os cuidados de Luiza. A mãe de Sara fez questão de dar o primeiro banho em casa, e o filho mais velho se mantinha sempre atento aos cuidados que envolveram idas ao pediatra e vacinas. Tudo corria muito bem até 10 de abril, quando Sara percebeu que a bebê apresentava dificuldade para respirar. Foi o tempo de deixar os filhos com a sogra e seguir para o Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib).
“O médico do Hmib é um amor de pessoa. Ele me explicou que ela teria que ser internada porque estava com bronquiolite. Foi um desespero, eu chorei muito. No primeiro dia, ela ficou na bombinha, depois foi para o oxigênio e acabou sendo entubada”, lembra Sara.
A internação de Luiza causou uma grande mobilização. Integrantes do Aconchego se revezaram com Sara durante a internação. “Mas, antes de sair do hospital, eu sempre conversava com ela e explicava que a ‘tia’ iria em casa e voltaria”, conta, emocionada.
Foram quase três semanas no Hmib, e, nesse meio tempo, apareceu uma família para adoção. “Agora, estou preparando meu coração para a partida dela e vou passar todas as informações para eles”, diz. Assim como Beatriz, Sara pretende manter o contato e acompanhar o crescimento da criança, desde que os futuros responsáveis também concordem. “A família acolhedora vai muito além de cuidar da criança. Acaba sendo uma rede”, conclui.
A coordenadora do Programa Família Acolhedora, Julia Salvagni, explica ter à disposição 65 vagas e que 30 crianças foram acolhidas por uma família. Então, novas famílias em suas mais diversas configurações são sempre bem-vindas. Para participar, basta entrar em contato com o grupo Aconchego, fazer o curso e a entrevista.
O primeiro passo para se cadastrar é enviar um e-mail para familiaacolhedora.aconchego@gmail.com. Já foram acolhidas 191 crianças e adolescentes desde o início do programa.
“Aceitamos todas as configurações familiares e não temos um recorte financeiro. O que a gente avalia é se a pessoa tem condições psicoafetivas de exercer o cuidado e se ela tem com quem contar”, explica a coordenadora.
*Os nomes foram trocados para proteger a identidade das crianças