Autocompaixão: a arte de deixar ir…

Por Marco Sousa – @marcosousa_psic_somatica

A autocompaixão ou autobondade é uma atitude que vai além de ter pena de si mesmo/a e leva a um lugar de aceitação radical da dor e sofrimento interior, fruto de escolhas equivocadas, arrependimento, vergonhas ou traumas. Numa sociedade altamente exigente, somos impelidos a seguir a batuta do sucesso, como soldados ou mártires, bombardeados por um sem fim mensagens de reforço positivo e de exemplos de conquista e de valor que nos afasta da nossa essência mais humana. Inevitavelmente, quem está do outro lado do paraíso e não consegue acompanhar essa “onda de positividade tóxica” espalhada pelo mundo de ilusões, instala gota-a-gota de uma forma insidiosa, um sentimento desvalorização e culpa, pai e mãe de uma pandemia da saúde mental que poucos ousam reconhecer.

A arte da compaixão vem no sentido de aceitar com maturidade as feridas emocionais que necessitam ser olhadas e que buscam redenção em nome da paz interior. Avançar na vida com um rasto de sofrimento negado, normalmente leva a escolhas e decisões equivocadas que facilmente se transformam em arrependimentos, culpa ou em sentimentos de vergonha em relação ao mundo ou contra si mesmo. O núcleo emocional vai-se saturando dessa falta de espaço de observação compassiva, sabendo no nosso íntimo visceral que essa nunca será a atitude mais sábia.

É urgente como comunidade cultivar um diálogo de compaixão e conhecimento, sem cair em dogmas religiosos e messiânicos de salvadores ou de vítimas. A autocompaixão não é algo que está vinculado a uma escritura sagrada e que é propriedade registrada de um guru new age ou de um santo. A autocompaixão é uma atitude disciplinada onde se aprende a ouvir o corpo e as suas sensações, focando a atenção numa “voz interior” serena e bondosa que procura descer até um lugar enraizado de paz e tranquilidade.

Essa “voz interior” terá que ser sentida, tal uma suave brisa que alivia a dor que a alma experimenta quando alguma contrariedade desperta o “pior” em nós. É nessa sombra emocional que a “voz interior” necessita de entrar e estabelecer um diálogo pacífico que procura integrar a nossa natureza paradoxal e repleta de incoerências. Ao ouvir essa sombra, surgirão complexos de culpa, vergonha, medo ou impotência, no entanto todas essas “fantasias emocionais” só podem ser libertadas caso se adote uma especial atitude disciplinada de autocompaixão saudável. Aqui há um ponto importante a ser esclarecido: Autocompaixão é uma atitude interior que se sente no corpo como um espaço de abertura e paz no espírito, uma sensação de libertação e rendição, de nada semelhante a uma sensação de pena e culpa por si mesmo.

Quando se ouve da “voz da culpa e pena”, essa nada mais resulta de uma sensação de impotência perante a vida e que requer um profundo cultivo de autocompaixão e aceitação do que não se pode controlar. Por detrás dessa voz, existe ressentimento e vergonha que necessitam de serem libertados.  No entanto, para não cair no erro do falso amor próprio ou de um mero exercício inútil de afirmações positivas vazias, a arte da compaixão não pode ser um exercício intelectual. Imagina a autocompaixão como uma voz amiga que fala num silêncio sentido que simplesmente pede para “reconhecer e aceitar o que está na consciência”. Quando fala, “algo” abre-se. Nessa arte terá que existir necessariamente um ouvir do nosso corpo e das nossas sensações mais “desgostosas” e vergonhosas e estar em contato com elas até sentir que passaram, tal como ondas de energia que vão e vem num oceano de consciência.

A arte da autocompaixão é uma competência que envolve uma observação de pensamentos e uma coragem em os “sentir”, acompanhando o vai-e-vem da mente e do corpo. Nessa arte, o destino é só um: uma aceitação das nossas feridas e ir ao encontro de nós mesmos.

“O paradoxo curioso é que quando eu me aceito como eu sou, então eu mudo.” Carl Rogers.

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