Hoje vamos dar mais um passo em direção ao estudo do suicídio. Em especial entre jovens e adolescentes, este tema é um desafio de saúde pública que nos confronta com uma resposta de toda a sociedade. E nossa perspectiva, além de atender ao público em geral, visa chegar até os professores, pois a escola é um espaço excelente para este cuidado.
Para compreendermos o papel singular da escola, é necessário superar a visão tradicional e vamos adotar tanto as descobertas da neurociência contemporânea como as profundas percepções da psicanálise, especialmente a de Donald Winnicott, que nos ajuda na compreensão deste acolhimento na prática.
Portanto, a escola tem a responsabilidade de ser mais do que uma instituição de ensino.
A adolescência não é apenas uma fase de transição social, mas um período de intensa reestruturação cerebral. A neurociência nos mostra que o cérebro adolescente é um espaço em plena construção, com a amígdala — o centro de processamento emocional e de reações de medo — funcionando a pleno vapor. Isso explica a intensidade das emoções e a sensibilidade a situações de estresse.
Simultaneamente, o córtex pré-frontal, a área responsável pelo controle de impulsos, pela tomada de decisões racionais e pela previsão de consequências a longo prazo, ainda está em fase de maturação, o que só chega a sua finalização em torno dos 25 anos.
Essa imaturidade cria uma perigosa lacuna entre a experiência emocional intensa e a capacidade de regulá-la: da intensidade, do luto da infância, e a cobrança por ser um adulto com resultados. É nesse vazio que a impulsividade pode se manifestar de forma perigosa, tornando a ideação suicida, quando presente, mais propensa a se transformar em ação.
“O desenvolvimento de ações e estratégias para a promoção da saúde mental e a prevenção do comportamento suicida nas escolas perpassa por compreensões complexas em relação ao suicídio e sobre a saúde mental, além de proposições que visem, de forma longitudinal, a formar profissionais da educação que possam reconhecer a necessidade e atuar nesses contextos.”
O ambiente escolar, com suas pressões por avaliações, sociais e familiares, pode atuar como um intensificador desse estresse neurobiológico. Um ambiente percebido como hostil, competitivo ou de abandono pode sobrecarregar o sistema nervoso do adolescente, levando a estados de desespero e isolamento.
Neste sentido, Winnicott, psicanalista britânico, nos oferece um espaço essencial de reflexão.
O autor introduziu a ideia de um “ambiente de sustentação” (ou holding environment), que, na relação primária entre mãe e bebê, é um espaço seguro, previsível e confiável. É nesse ambiente que o indivíduo pode se desenvolver, explorar e cometer erros, sabendo que há uma base segura para voltar. A escola, em sua essência, tem o potencial de sustentar esse espaço de acolhimento.
A equipe escolar, atuando como “cuidadores suficientemente bons” — outro conceito do psicanalista —, não precisa ser perfeita, mas deve ser consistentemente empática, atenta e responsiva. A mera presença de adultos confiáveis, capazes de observar e intervir, combate a sensação de invisibilidade e desamparo.
“É no caos suicida que o adolescente se torna mais vulnerável e susceptível as novas relações contextuais de vida. Em um desses contextos encontra-se a figura do professor, a ele é reservado um papel fundamental. A partir dos conhecimentos sobre a temática do suicídio, o professor poderá ajudar o adolescente a descobrir novas possibilidades no existir, ultrapassando assim seus sofrimentos. Ele representará assim um grande apoio para o adolescente (TEIXEIRA, 2001, p. 6).”
É nesse contexto que se aprofunda e se torna crucial a prevenção. O “ambiente de sustentação” não é apenas um refúgio, mas a condição necessária para o florescimento do Verdadeiro Self — a parte autêntica, espontânea e criativa do ser humano. O Verdadeiro Self emerge quando o ambiente responde de forma adequada e consistente às necessidades e gestos genuínos da criança e do adolescente. Um espaço para o gesto espontâneo!
No entanto, quando o ambiente falha em sustentar o indivíduo — seja por abandono, exigências excessivas ou falta de empatia —, ele pode ser compelido a desenvolver um Falso Self, uma máscara, uma persona de conformidade e obediência, criada para proteger o frágil Verdadeiro Self de um ambiente hostil.
Ele é funcional, cumpre as expectativas, tira boas notas, mas o faz com um custo psicológico imenso. A pessoa que vive predominantemente a partir do seu Falso Self sente-se vazia, irreal e desconectada de sua própria vitalidade.
O adolescente, temendo o julgamento e a exclusão, pode abandonar sua espontaneidade em favor de uma identidade socialmente aceitável, mas psicologicamente insustentável. A tragédia do suicídio, nesse contexto, pode ser vista como uma tentativa desesperada de “acabar com a vida” que o indivíduo sente que nunca teve, de dar um fim à dor de se sentir “morto por dentro”. O ato não é um anseio pela morte, mas a busca pelo fim de um estado de não-ser, de inautenticidade.
A escola pode se mover proativamente para ser um ambiente que não apenas acolhe, mas que ativamente nutre o Verdadeiro Self do adolescente, ou seja seus aspectos criativos e transformadores da vida.
A escola deve integrar em seu currículo programas que ensinem os alunos a nomearem e gerirem suas emoções, promovendo uma Educação Socioemocional. Ao dar ao adolescente um vocabulário para a sua experiência interna, estamos fortalecendo o seu córtex pré-frontal, equipando-o com ferramentas cognitivas para regular a poderosa amígdala. Isso é o oposto de reprimir emoções; é validar e dar forma à autenticidade ao seu eu verdadeiro.
Por outro lado, educadores não são terapeutas, mas são a primeira linha de contato. Podem reconhecer os sinais de alerta — o isolamento social, a queda abrupta no desempenho, a irritabilidade incomum. A escola deve ser um lugar onde o aluno se sinta parte de algo maior, mas que permita que sua singularidade seja aceita e acolhida.
Clubes, esportes, atividades extracurriculares e projetos em grupo são mais do que passatempos; são os “objetos transicionais” da adolescência, que oferecem um espaço seguro para a exploração da identidade e a construção de laços sociais significativos.
Neste sentido, a previsibilidade do ambiente escolar é crucial. Rotinas claras, expectativas consistentes e a garantia de que as regras são justas e aplicadas a todos reduzem a ansiedade e proporcionam uma sensação de controle, tão necessária para o cérebro adolescente.
Mais do que isso, a escola deve ser um espaço onde os alunos sintam que suas vozes e perspectivas são valorizadas. Isso cria um senso de pertencimento que é um poderoso antídoto para a solidão e o desamparo.
A escola pode se tornar um porto seguro, um espaço de acolhimento que entende a complexidade do desenvolvimento adolescente e, principalmente, que nutre a autenticidade de cada indivíduo.
É uma tarefa difícil, mas é um investimento na vida de nossos jovens.
Algumas Referências para consulta:
BARROS, Sara Marques. Violência nas relações de namoro juvenis e ideação e comportamentos suicidas. 2014. 96 p. Dissertação (Mestrado em Medicina Legal) — Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto, Porto.
BRASIL, Ministério da Saúde. Prevenção do Suicídio Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental, 2006.
LIMA, B. B., & SILVA, F. D. S. D. (2020). O papel da escola na prevenção do suicídio juvenil: desafios contemporâneos.
PRADO, Aneliana da Silva. Vamos falar sobre suicídio? A prevenção no ambiente escolar. Curitiba: IFPR, 2019.
Silva, D. T. G., Amaral, L. C. do ., Pedrollo, L. F. S., Silva, A. C., & Vedana, K. G. G.. (2025). Prevenção do comportamento suicida na escola: ensino baseado em simulação (EBS) . Educação E Pesquisa, 51, e276408. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202551276408por
Winnicott, D. W. (1983). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas.
Winnicott, D. W. (1990). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago Ed
Prof. Dr. William Figueiredo é filósofo, psicanalista, pós-doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia e doutor em Ciências da Religião. Especialista em Psicopatologia e Bem-Estar Social pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, atua com atendimento clínico online, supervisão e assessoria em desenvolvimento humano e educacional. É também professor colaborador na Universidade Metodista de São Paulo e no Instituto Ânima, como formador em Educação Socioemocional. Ministra palestras, formações e workshops voltados à escuta qualificada, saúde mental e processos educativos.
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