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Barbearias: janelas de oportunidade – Jornal de Brasília


Tudo começa com uma tesoura, uma máquina de corte, um espelho, pente e uma cadeira. Assim inicia a vida empresarial de muitos barbeiros no Distrito Federal e no país. A atividade como cabeleireiro é a que possui maior número de Microempreendedores Individuais (MEIs) registrados no DF, compondo 9% do total com a Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE) na capital.

Ao todo são 26.347 profissionais cabeleireiros no DF. Em segundo lugar estão as atividades dentro do comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios, cerca de 5,47% do total – 14.193 profissionais.

De acordo com Daniel Borges de Oliveira, diretor presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Profissionais da área da beleza e bem-estar no DF (Sindbeleza-DF), a grande maioria dos profissionais no setor são microempreendedores individuais, especialmente após a Lei nº 13.352/2016, conhecida como Lei do Salão-Parceiro, que regularizou a contratação de profissionais como cabeleireiros, esteticistas, barbeiros, depiladores, maquiadores, manicures, entre outros, sob o regime de trabalhadores autônomos.

A Lei em questão proporciona que os profissionais atuem com o objetivo de receber comissões sobre os serviços prestados, variando de acordo com os valores de mercado. Um dos benefícios com a chegada da norma é o aumento da renda, possibilitando ao profissional que escale o próprio negócio de maneira segura e sustentável ao longo dos meses ou anos.

Daniel destaca que o MEI ajudou a regularizar a categoria e a trazer para o profissional mais responsabilidade para prestar os serviços junto às empresas na capital. “Ele passou a ser uma pessoa jurídica e a ter o controle de gestão e agenda. […] Como ele é um prestador de serviço, ele também recebe comissões sobre o que oferece. Muitas empresas dividem o pagamento com em torno de 60% para a empresa e 40% para o profissional, ou 50%-50%, ou 55%-45%”, disse.

Ele acredita que o MEI é uma das portas para alavancar a economia do DF. “O nosso segmento é muito sustentável. […] Quando falamos da qualificação da mão de obra para o serviço, temos que falar em três pilares: educação, formação e capacitação. Sem esses pilares conjuntos, o profissional não tem como alcançar sucesso na área da beleza.”, afirmou.

Segundo ele, após a formação e com o auxílio de cursos profissionalizantes, o profissional se diferencia e poderá gerir o próprio negócio com mais autonomia para atender os respectivos clientes e potencializar ainda mais o próprio conhecimento, impactando não somente a si, mas a todo o setor da categoria.

“O MEI na área da beleza e bem-estar faz de um jovem da periferia, por exemplo, se tornar um empresário de sucesso, dono da sua própria clínica ou salão de beleza, barbearia, estética, entre outros”, finalizou Daniel.

Crescimento progressivo

Um dos cabeleireiros registrados como MEI é Lucas Oliveira, 20 anos, que abriu a Oliver Barbearia no Núcleo Bandeirante em julho do ano passado. Menos de um ano depois, o resultado com o trabalho compensou: ele já vê a necessidade de ampliação do CNPJ para uma microempresa, uma vez que o faturamento já está próximo ao limite de R$ R$ 81 mil anuais definido para MEIs.

As taxas reduzidas na atividade como MEI, o aumento da demanda de clientes e o consequente avanço no faturamento colaboraram para a necessidade da transição. “O MEI adianta muito porque o imposto seria muito alto se eu já tivesse aberto de outra maneira a minha empresa”, ponderou o profissional.

“Isso [redução das taxas] te ajuda a manter um faturamento máximo e ficar livre de um imposto mais alto. Isso ajuda muito a iniciar. Mas agora o meu teto está quase batendo [o anual]. Por isso estou saindo do MEI, mas se não fosse ele, acho que não teria feito essa escalada [do negócio] tão bem”, destacou Lucas. “Se eu estivesse pagando um imposto mais alto, acho que me atrapalharia muito”, completou. Ele agora faz planos para contratar funcionários e ampliar a empresa.

A trajetória de Lucas começou ainda em 2020 quando o sonho de se tornar jogador de futebol ficou de lado em razão da pandemia da covid-19, quando os treinos pararam. Buscando alternativas, a profissão como barbeiro lhe abriu oportunidades. “Era algo que eu achava muito massa a variedade de cortes”, contou.

Foi no fim de 2021 que ele começou a cortar cabelo em alguns salões do Núcleo Bandeirante, adquirindo experiência. Ele chegou a cortar no Multishopping Galeria da RA, cortou na casa de clientes e também em outra barbearia na cidade até abrir a Oliver Barbearia na metade do ano passado.

O primeiro contato com os cortes de cabelo veio com um curso que realizou em 2021. Para arcar com o valor das aulas e custear outras despesas necessárias, Lucas trabalhou como ajudante de aplicação de película residencial. Naquele ano, o foco era aprender e ganhar experiência. De lá para cá, ele precisou contar com a confiança de clientes e persistir em meio às dificuldades.

“É muito gratificante saber que toda luta e todo o trampo de muitas vezes pegar a bike e sair cortando o cabelo a domicílio – o corte muito ruim ainda – valeu a pena. Eu ia treinando e a galera confiando, ia pegando experiência em outras barbearias também. Tinha dia que eu cortava o cabelo só de uma pessoa até começar a crescer e ter mais clientes. É gratificante poder chegar onde estou. Para mim, de 2021 para cá foi um pulo. Consegui construir um nome e melhorar meu serviço”, finalizou.

Expansão da cultura afro

Outro microempreendedor individual que viu o trabalho evoluir ao longo dos anos foi Thiago Soares dos Reis, 24 anos, barbeiro há cinco anos no Paranoá. Hoje proprietário da True Studio, a barbearia que montou aproveitando a garagem e a sala de casa, ele destaca que vê o negócio crescendo ao longo dos anos, ampliando com um estabelecimento próprio fora de casa e se diferenciando ainda mais com cortes afro, trazendo ainda mais representatividade para a comunidade.

A carreira começou ainda em 2019, quando Thiago procurava, sem sucesso, emprego no DF. “Como minha mãe trabalhava em um salão de beleza, ela tinha uma máquina de cortar cabelo e eu comecei a testar em mim mesmo”, contou. Começando a pegar o jeito com o aparelho, ele começou a cortar o cabelo de amigos também.

De acordo com ele, a cultura afro foi o diferencial que fez o negócio alavancar, uma vez que os locais com cortes especializados não eram comuns no Paranoá – nem mesmo cortes mais modernos, com degradê e outras variações de estilo. Após um período ele chegou a trabalhar em uma barbearia da região, mas logo depois abriu a própria na casa onde mora.

Desde então, a qualidade de vida melhorou segundo ele. Além da autonomia para gerir o próprio empreendimento, Thiago ressalta a liberdade para poder investir melhor na carreira e na vida pessoal, conseguindo reinvestir no negócio e se dedicar a outras paixões, como a música, outro ramo artístico com o qual se identifica e gosta de produzir conteúdo.

“Eu consegui fazer muitas coisas que eu tinha vontade através da barbearia. Eu nunca tinha viajado, por exemplo, daí agora todo ano eu consigo viajar pelo menos duas vezes no ano para algum lugar que tenho vontade. Consigo comprar outras coisas, ajudar meus pais, e buscando sempre melhorar, deixando a barbearia mais estruturada, evoluindo”, destacou. “Quando começamos era bem mais fechado, mas a gente conseguiu expandir, colocar mais cadeiras e deixar o lugar mais maneiro.”

Uma conexão com o evento Favela Sounds colocou a True Studio no centro do Favela Sounds em 2022 e 2023, dando força e visibilidade ao negócio. Neste ano, Thiago deve levar a barbearia para o evento novamente.

Crescimento de MEIs no DF

O Distrito Federal teve 8.245 novos microempreendedores individuais (MEIs) em 2023, fechando o ano com 264.302 microempresários individuais na capital – cerca de 3,22% a mais que no ano anterior. Os dados são do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que mostram o crescente número a cada ano desde a criação da modalidade, em 2008. A quantidade de MEIs desde 2020 cresceu 31%.

De acordo com Ricardo Robson Moreira Gomes, gerente de atendimento personalizado do Sebrae-DF, todo esse contingente de pessoas que prestam serviço no DF fazem a roda da economia girar na capital, principalmente dentro das próprias Regiões Administrativas onde moram ou onde oferecem serviços. “Toda essa renda acaba sendo direcionada naquelas pequenas regiões. Isso dá um dinamismo econômico para essas localidades”, disse. 

Conforme destacou, cerca de 54% dos MEIs têm renda entre dois e cinco salários mínimos. “Considerando o impacto desse contingente de pessoas nas localidades, é extremamente relevante”, acrescentou. 

Para 78% dos microempreendedores individuais, a única fonte de renda é a atividade que exercem como MEI. Dentro de uma ótica familiar, aproximadamente a receita de 37% dos MEIs significa a renda da família inteira. “Existe uma relevância principalmente nos níveis de renda mais baixos. […] Quando falamos das principais motivações das pessoas a se formalizarem, 62% desse contingente busca a independência financeira. Cerca de 20% dessa porcentagem precisa de uma fonte de renda para conseguir sobreviver”, afirmou Ricardo. 

“Isso está diretamente relacionado aos índices de desemprego. Quanto maior é o desemprego, mais as pessoas são estimuladas a buscarem outras formas de terem sua renda. E há um impacto grande dentro da formalização dos MEIs – e consequentemente isso acaba impactando em toda a dinâmica econômica das nossas cidades”, destacou o gerente. 

Ainda segundo Ricardo, um dos grandes benefícios que o MEI oferece, além do valor reduzido da taxa, é a cidadania empresarial, uma vez que se passa a contar com a cobertura de previdência social – o tempo como MEI conta para aposentadoria –, com o auxílio doença em casos de acidentes de trabalho, no caso das mulheres com o direito à remuneração durante o período da maternidade em que estiverem afastadas do exercício da sua atividade, entre outros benefícios. 

SAIBA MAIS

– O Sebrae-DF conta atualmente com cursos de capacitação de diversos setores, desde segmentos da área industrial até a culinária, entre outras variedades.

– A consulta pode ser feita no portal da entidade em que destaca cursos tanto na modalidade presencial quanto na online (EAD).

– O Sebrae fornece ainda consultorias e atendimentos pelos canais 0800, Whatsapp e app, além das Agências de Atendimento Presencial, que contam com as Salas do Empreendedor e o Simplifica PJ.



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