Manchester City: campeão tão perto, tão longe do torcedor – 19/05/2024 – O Mundo É uma Bola
Aconteceu o esperado na Premier League, o Campeonato Inglês, e o Manchester City de Pep Guardiola –sem o goleiro brasileiro Ederson, que estava contundido– faturou o título neste domingo (19), o quarto consecutivo, ao bater em seu estádio o West Ham por 3 a 1.
A equipe precisava da vitória no Etihad para não depender de um tropeço do Arsenal, que derrotou em Londres o Everton por 2 a 1 e acabou a competição dois pontos atrás do Man City (91 a 89).
A arena em Manchester, que tem capacidade para 53.400 torcedores, estava lotada, com maioria absoluta de fãs do time da casa.
Perto do apito final, a empolgação transbordava, e era evidente que haveria invasão, apesar de os alto-falantes terem solicitado aos torcedores permanecerem em seus lugares. Centenas pretendiam ir ao gramado extravasar a alegria e fazer festa com seus ídolos.
Dito e feito, em parte. Quando o árbitro John Brooks encerrou o confronto, um mar de gente ocupou o campo por completo. O verde da grama virou azul celeste, a cor da camisa da equipe, vestida pela da torcida.
Sorrisos e abraços por toda parte, mas estavam faltando personagens imprescindíveis. Onde estavam o técnico Guardiola, os astros De Bruyne, Haaland, Foden (dois gols neste domingo), Rodri (um gol neste domingo) e companhia?
Assim que Brooks deu fim ao jogo, viu-se uma fuga desenfreada. Os integrantes dos dois times correram em direção ao corredor, na lateral central do gramado, que dá acesso aos vestiários. Simultaneamente, dezenas de seguranças formaram nas proximidades uma barreira humana, em formato de “U” invertido.
Por ela, ninguém passava, e dessa forma os torcedores ficaram isolados dos atletas. Nada de abraços, nada de fotos, nada de uma simples troca de palavras, nada de nada. Estavam tão perto e ao mesmo tempo tão longe.
Décadas atrás, quando eu frequentava o estádio como torcedor, eram comuns as invasões de fãs na partida do título, Àquela época sempre havia uma final, fosse nos estaduais, fosse no nacional –era raríssimo no Brasil campeonato por pontos corridos.
Eu nunca invadi, pois minha preferência era ficar com amigos nas arquibancadas superiores, que não davam acesso ao gramado. Para invadir, era preciso estar no anel inferior, nas chamadas gerais.
E, quando invadiam, os torcedores conseguiam encontrar os atletas, comemorar com eles, carregá-los nos ombros. Muita emoção envolvida, jogador e torcedor rindo ou chorando (de felicidade) juntos. E os repórteres e fotógrafos no meio da muvuca, fazendo seu trabalho.
Era bagunçado? Era. Era às vezes caótico? Era. Mas nunca pareceu ser perigoso, não me lembro de um caso em que jogador ou torcedor tenha se machucado em meio à ruidosa celebração.
De uns tempos para cá, algumas coisas no futebol ficaram pasteurizadas. Esse momento de festa na partida decisiva empobreceu-se com a ausência dos craques nela.
Repetindo a pergunta feita parágrafos antes: onde estavam os astros De Bruyne, Haaland, Foden, Rodri e companhia? Estavam, depois de atravessar um corredor, no vestiário do time, confraternizando-se entre si.
A câmera os mostrava pulando de um lado para o outro, alguns sem camisa, bebendo (champanhe ou cerveja) e gritando “campione, campione, olê, olê, olê!”. (Por que em italiano e não em inglês, em um grupo que não tem um único italiano? Não sei responder.)
Nada mais sem graça e repetitivo. Uma festinha privada, para “meia dúzia”, como tem sido praxe faz anos, com acesso restritíssimo, e sem a presença de jornalistas para abordar os campeões, a fim de registrar a fala imediata, o sentimento aflorado. Não pode, é proibido, sem declarações “a quente”.
A ressalvar: nada contra o Man City, merecedor sem questionamentos de mais esse troféu. Baita time, que sabe como controlar a bola e o andamento da partida como nenhum.
Porém os jogadores, principalmente, e o treinador deveriam fazer uma autoanálise e se rebelar contra esse roteiro. Se eu fosse atleta, o que mais iria querer era estar nos braços da torcida, em reconhecimento ao apoio dado durante os nove meses de campeonato.
Torcedor paga caro pelo ingresso (o do Man City custa em média R$ 950), prestigia na chuva ou no sol, no calor sufocante ou no frio congelante, gasta com viagens para ir aos jogos, gasta com alimentação nos jogos, gasta ao comprar a camisa do time (a R$ 500, a de manga curta, e a R$ 710, a de manga comprida) e com outros suvenires (boné, copo, ímã de geladeira, miniatura do estádio, garrafa d’água etc.) com a marca do clube ou dos atletas do clube.
Deveriam, no momento de glória, ganhar um beijo, um abraço, um aperto de mão dos ídolos.
Mas não. O grupinho de “campiones” do Man City fica isolado no vestiário o tempo necessário para que o gramado seja esvaziado.
Aí, voltam para receber a taça, distantes do povão, na cena de sempre: o capitão (desta vez, Walker) a ergue e todos ficam no pódio, pulando e vibrando, com os fãs (exceção feita aos familiares dos futebolistas e a alguns poucos VIPs) “a uma distância regulamentar”.
Igual a 2023, igual a 2022, igual a 2021… O futebol da mesmice. Seja pelo dono do título, seja pela forma de comemoração.
Como dizia Renato Russo na canção “O Teatro dos Vampiros”, da Legião Urbana: “Este é o nosso mundo”. Um mundo de sensaboria nas celebrações de título. É o que temos, e o que possivelmente sempre teremos, então, se só temos esse mundo, vamos com ele mesmo.