Aprovado na Câmara e agora sob revisão no Senado, o texto que institui o “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado” provoca divisões entre especialistas
Apresentado pelo governo Lula após a operação policial no Rio de Janeiro que deixou mais de 120 mortos, o chamado PL Antifacção (PL 5.582/2025) já não é mais o mesmo projeto que saiu do Ministério da Justiça. A Câmara dos Deputados aprovou, nesta última semana, o texto-base por 370 votos a 110, com relatoria do deputado Guilherme Derrite (PP/SP), e enviou ao Senado Federal uma versão mais dura, celebrada por parte da oposição, mas contestada por integrantes do próprio governo.
O projeto passou a ser chamado de “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado” e tem como eixo central a criação da figura penal de “facção criminosa”, atualmente ausente do ordenamento jurídico.
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Congresso NacionalReprodução: Congresso Nacional

Lula e LewandowskiFoto: Brenno Carvalho/O Globo

Corpos na Praça São Lucas, na Penha, zona Norte do Rio de JaneiroFoto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Após megaoperação, moradores levaram corpos para praça no Rio de JaneiroReprodução: Globo

Megaoperação foi deflagrada nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio de JaneiroReprodução: Redes Sociais
A proposta tem vários desdobramentos, entre eles: definir facção criminosa como organização de estrutura estável e atuação “ultraviolenta” em territórios ou atividades econômicas; endurecer penas, de modo que membros de facções ou milícias possam cumprir de 20 a 40 anos, chegando a até 66 anos para líderes; exigir que condenados por participação em facções cumpram ao menos 85% da pena para progredir de regime; vedar graça, anistia, indulto e liberdade condicional para quem integra essas organizações; determinar que chefes de facções sejam obrigatoriamente enviados a presídios federais de segurança máxima; e centralizar regras hoje espalhadas em diferentes leis, criando tipos penais específicos ligados às atividades de facções e ampliando mecanismos de confisco de bens.
Na versão aprovada pelos deputados, há ainda uma mudança sensível no destino dos bens apreendidos: o texto redistribui esses recursos, retirando parte da autonomia financeira de órgãos como Polícia Federal e Receita, o que levou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a afirmar que o projeto “asfixia” essas instituições.
O governo, derrotado na Câmara, agora aposta no Senado para revisar pontos considerados “excessivos” ou tecnicamente frágeis.
Impactos jurídicos: novo desenho penal
Do ponto de vista jurídico, o PL Antifacção reorganiza e expande o sistema de repressão às organizações criminosas. Para penalistas e pesquisadores, há um movimento claro de expansão do direito penal: mais tipos de crime, penas mais altas, menos benefícios e maior margem de atuação para o Estado.
Os principais pontos de preocupação levantados por analistas são: multiplicação de tipos penais ligados às facções, o que pode gerar sobreposição com a Lei de Organizações Criminosas e causar disputas processuais sobre qual enquadramento aplicar; e risco de insegurança jurídica devido a definições vagas, como a ideia de facção “ultraviolenta”, que dependerão da interpretação de juízes e podem ser aplicadas de forma desigual.
Além disso, a mudança no destino dos bens apreendidos é vista por membros do governo como um problema de desenho institucional, ao reduzir fontes diretas de financiamento da PF e da Receita em operações complexas contra o crime organizado.
Impactos sociais: encarceramento em massa
Na dimensão social, pesquisadores do sistema prisional e organizações de direitos humanos apontam que o PL Antifacção tende a reforçar o modelo de encarceramento em massa, sem atacar as causas estruturais da violência.
O Brasil já figura entre os países com maior população carcerária do mundo, com presídios superlotados, condições precárias e forte presença de facções articuladas dentro das unidades. Estudos de universidades e do Conselho Nacional de Justiça apontam que o aumento de penas, isoladamente, não reduz a criminalidade e pode fortalecer o poder das organizações dentro do sistema prisional.
Defensores do texto, por outro lado, argumentam que o país enfrenta facções com atuação nacional e internacional, e que é necessário um arcabouço legal mais rigoroso para quebrar o poder econômico e territorial dessas organizações, isolando lideranças e estrangulando o fluxo de recursos ilegais.
Impactos políticos: derrota do governo
Politicamente, o PL Antifacção se tornou um campo de teste de forças entre governo, oposição e centrão. O texto aprovado na Câmara representou uma derrota clara do Planalto: o projeto nasceu no Executivo, mas a versão final foi moldada pelo relator ligado à oposição, com voto contrário da base governista.
Agora, o governo tenta usar o Senado para “corrigir excessos” e reconstruir sua narrativa de que deseja combater facções sem abrir flancos de inconstitucionalidade ou desorganizar a estrutura federal de combate ao crime.
Com as eleições de 2026 se aproximando e a segurança pública no centro do debate, o PL Antifacção tende a permanecer como pivô de disputas narrativas: de um lado, quem defende a necessidade de uma “legislação de guerra em tempo de paz”; do outro, quem alerta que a medida pode aprofundar um modelo já criticado de encarceramento em massa.




