Para Falar de Vida

O ano era 2017, o Linkin Park acabará de lançar “One More Light”, seu sétimo álbum de estúdio com o vocalista Chester Bennington, seu último.

Eu e minha filha, sentávamo-nos no sofá, e ouvíamos o álbum juntos, era um ritual nosso, ouvir todas as músicas juntos, sem dizer nada, apenas aproveitando a existência um do outro.

Em Maio, foi o show da banda aqui no Brasil. E eu tive a oportunidade de ir ver. Em julho recebemos a notícia que Chester tinha decidido por uma solução final na sua vida. Com tristeza, ouvimos o álbum novamente, e fizemos nosso ritual de afeto, eu e minha filha, mas agora com uma dor no coração. 

Chester passou a carreira sendo honesto e sempre deixou claro suas lutas contra depressão, vício e trauma, especificamente por ter sido abusado sexualmente na infância. Suas letras sempre traziam esperança e motivação para superação. Mas a dor estava ali, rondando.

Em 2005 dirigi um espetáculo chamado “Sol e Sombra”, um texto do dramaturgo e escritor Luigi Pirandello. É um conto sobre Ciunna, um funcionário do estado, que não queria mais viver, e decidiu pela solução final. Então, ele decidiu que iria se entregar para o mar.  Já que os comprimidos ele não teve coragem de usar, os deixou no bolso. 

Fez uma carta de despedida, dizendo tudo que sempre quis para as pessoas que ele amava e odiava. Desceu para o litoral, e no caminho, em uma taverna encontra alguns amigos. Ciunna só pensava no que fora ali fazer. Mas papo vai, papo vêm, e Ciunna foi gostando de estar ali entre amigos, conversando e esqueceu totalmente do destino prévio; Porém em determinado momento, ele se vai, e a beira do mar decide que é bom viver, e decide voltar. Na carruagem, porém, lembra-se da carta que havia deixado, e que se voltasse seria uma vergonha. O medo de parecer frágil, diante da pressão que iria sofrer, então, ali mesmo na carruagem, ele toma os comprimidos.

Esta história, fala muito sobre a questão que precisamos abordar agora, neste mês de Setembro. Porque as pessoas decidem por uma solução final. O que está acontecendo é que elas não conseguem pedir ajuda.

Bennington, ou Ciunna na ficção. O que leva ambos a não conseguir pedir ajuda? Quem já passou por essas dores profundas da alma, sabem o que estamos falando, a perda de um familiar, um amor etc. Além da dificuldade de falar do assunto sem virar um problema ou um fardo.

No Brasil, a campanha Setembro Amarelo se tornou um lembrete anual e crucial para um tema que ainda carrega muito estigma: a prevenção do suicídio. A cor amarela, símbolo de esperança, ilumina este mês para nos lembrar que o diálogo é a principal ferramenta contra a dor silenciosa. Mais do que um mês, é um chamado à ação.

Os números são alarmantes e não podem ser ignorados. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano no mundo. No Brasil, ele se consolida como a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, uma realidade que nos força a olhar para a saúde mental com a seriedade que ela merece.

A depressão e a ansiedade, muitas vezes vistas como “frescura”, são doenças reais. Não se trata de fraqueza, mas de desequilíbrios que exigem tratamento. O tabu em torno do assunto impede que muitos busquem ajuda, perpetuando um ciclo de sofrimento que poderia ser evitado.

Não tenha medo de abordar o assunto. Diferente do que muitos pensam, falar sobre suicídio não “planta a ideia”, mas sim demonstra que a pessoa não está sozinha e que existe alguém disposto a ouvir. A realidade do suicídio não é um problema isolado, mas uma questão de saúde pública complexa e urgente. 

No Brasil, os números são igualmente preocupantes. O país, que está entre os dez com o maior número de suicídios no mundo, registrou mais de 13 mil mortes em 2021, o equivalente a uma a cada 45 minutos. Um estudo realizado pelo Ministério da Saúde indicou que, em 2023, a taxa de suicídio atingiu 6,1 por 100 mil habitantes, e as projeções para 2024 indicavam uma possível elevação nesse número, principalmente em áreas urbanas e entre a população LGBTQIAPN+, indígenas etc.

É um cenário que supera mortes por acidentes de trânsito em algumas regiões e mostra que a saúde mental precisa ser tratada com a mesma seriedade que doenças como o câncer ou a diabetes. Um dos aspectos mais dolorosos é a mortalidade crescente entre os jovens. 

A saúde pública entende o suicídio como um fenômeno multifatorial. Não existe uma única causa, mas sim uma combinação de fatores genéticos, psicológicos e sociais. A depressão, a ansiedade, o transtorno bipolar são os principais diagnósticos associados ao comportamento suicida, mas os casos vão muito além da situação psicopatológica.

Além disso, fatores como o abuso de substâncias, traumas, perdas familiares e o desemprego podem agravar o quadro. A falta de acesso a serviços de saúde mental, a desinformação sobre os sinais de alerta e o estigma social que impede as pessoas de buscarem ajuda são barreiras que a sociedade precisa derrubar.

Os sinais de alerta podem ser verbais ou comportamentais. É importante notar que a presença de um ou mais desses sinais não significa que a pessoa irá cometer suicídio, mas sim que ela pode estar em sofrimento profundo e precisa de apoio.

Falas sobre se sentir um fardo para os outros, sobre não ter mais esperança ou sobre a vida não ter mais sentido. Frases como “Eu preferia estar morto” ou “Queria sumir” devem ser levadas a sério. Conversas ou escritos (em diários, redes sociais, cartas) sobre morte, morrer ou suicídio. Comentários como “É a última vez que nos vemos” ou “Vocês vão ficar melhor sem mim”.

Já no contexto comportamental, a pessoa começa a se afastar de amigos e familiares, evitando atividades sociais que antes gostava. Aumento no consumo de álcool ou drogas, perda de interesse em hobbies, alterações bruscas de humor ou hábitos de sono (dormindo muito ou muito pouco). Doar pertences valiosos, fazer um testamento, ou até mesmo parecer subitamente “em paz” após um longo período de tristeza, o que pode indicar que ela tomou uma decisão e está se despedindo. Agir de forma impulsiva, imprudente ou arriscada, como dirigir em alta velocidade.

Se você perceber esses sinais em alguém, a melhor atitude é agir com empatia e sem julgamento. Aborde o assunto com calma e de forma direta: Encontre um momento e local tranquilos para conversar. Comece perguntando: “Eu percebi que você não parece estar bem, como você está se sentindo de verdade?”

Não ofereça soluções simplistas como “Tudo vai ficar bem” ou “Tente ser feliz”. Apenas ouça, sem interromper ou julgar. Demonstre que você se importa de verdade e que a pessoa pode se expressar livremente.

O seu papel é de apoio, mas a ajuda mais eficaz vem de profissionais. Encoraje a pessoa a conversar com um psicanalista, psiquiatra ou a entrar em contato com serviços de apoio. Você pode se oferecer para acompanhá-la a uma consulta.

Lembre-a de que existem locais onde ela pode encontrar ajuda gratuita e confidencial, como o Centro de Valorização da Vida (CVV). O telefone 188 está disponível 24 horas por dia, e é um passo vital para quem está em crise.

 

Neste Setembro Amarelo, vamos desatar nós!

Prof. Dr. William Figueiredo é filósofo, psicanalista, pós-doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia e doutor em Ciências da Religião. Especialista em Psicopatologia e Bem-Estar Social pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, atua com atendimento clínico online, supervisão e assessoria em desenvolvimento humano e educacional. É também professor colaborador na Universidade Metodista de São Paulo e no Instituto Ânima, como formador em Educação Socioemocional.  Ministra palestras, formações e workshops voltados à escuta qualificada, saúde mental e processos educativos.

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arteveiculo@gmail.com 

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