O amor de SWIPE e o medo do afeto

Uma frase atribuída à Freud, diz: “A capacidade de amar e de trabalhar é que constitui, para nós, o resultado mais notável da análise.” Apesar de não ser uma citação formal de um livro, a ideia que ela expressa, a capacidade de estabelecer laços afetivos saudáveis (amar) e de ter um engajamento satisfatório com o mundo (trabalhar) está presente na teoria psicanalítica. Clinicamente, estes dois pontos são basicamente o conteúdo que nos é ofertado em cada sessão. E um dado significativo: 42% dos suicídios são motivados pela dor amorosa.

Vivemos em tempos difíceis para amar. O receio de se relacionar profundamente é sintoma do medo da perda e vulnerabilidade. A cultura do narcisismo e do gozo imediato reforçam defesas contra a entrega (risco de ferida ou fusão), impedindo o amor real. Como aponta C. Dunker: “pouco se fala de quão difícil é a arte de receber o amor, não só de dar. Dar implica a gratuidade que envolve o ato amoroso, conforme Lacan já tinha dito, dar aquilo que não se tem. Dar a sua falta, dar o seu vazio, dar aquilo que é a sua ausência.” (Dunker, 2024)

Por outro lado, o desejo de ter um objeto perfeito e substituível rapidamente (como se troca um gadget), sem o trabalho de lidar com a falta e a complexidade do outro, faz com que os vínculos se tornem “líquidos” ou superficiais, evitando o peso do compromisso e da profundidade. Isso exige a renúncia de parte do controle e do foco excessivo no próprio ego. O medo de amar pode ser, na verdade, o medo de que o outro “estrague” ou desestabilize a imagem de si mesmo, que é cuidadosamente construída e protegida.

A capacidade de amar e confiar está intimamente ligada às primeiras experiências de acolhimento e cuidado. Falhas ou feridas nessas relações primárias (com os pais ou cuidadores) podem gerar uma insegurança profunda. 

A cisão entre os afetos ternos e sexuais, pode levar o indivíduo a inibir o amor, com medo de macular  inconscientemente, o amor dos cuidadores primários.  O adulto, com medo de reviver a dor de ser desamparado ou traído, arma suas defesas:

“E, no fundo, é isso que a gente espera do amor, que ele tire a gente de nós mesmos, que nos transforme nos fazendo falar uma língua outra, uma língua nova, nos fazendo entender valores, pessoas que não seriam aquelas que a gente teria escolhido. (…) É como entrar em outro universo humano.” (Dunker, 2024)

A busca por um parceiro com uma lista de “pré-requisitos” preenchidos (como em uma entrevista de emprego) ignora a verdadeira dinâmica do desejo. A verdadeira liberdade na escolha amorosa é limitada por nosso inconsciente. O que nos atrai, muitas vezes, não é o que está racionalmente na nossa “lista de requisitos”, mas sim a repetição de padrões ou a busca por figuras que nos ajudam a trabalhar nossas próprias neuroses e incongruências. 

Ao nos apegarmos a uma lista rígida de condições, estamos fechando-nos à transformação que o amor e a diferença do outro podem provocar. A aceleração das interações virtuais (como a troca de mensagens apressada) desestimula a escuta e a dialética entre presença e ausência, que é essencial para o desenvolvimento da arte de amar.

Outro aspecto, que existe nas condições atuais é o Paradoxo da Escolha, popularizado pelo psicólogo Barry Schwartz, que descreve como o excesso de opções (onipresente na era digital) leva à paralisia, ansiedade e insatisfação crônica. No campo dos relacionamentos, isso se traduz na ilusão de que a pessoa “perfeita” está a apenas um swipe (deslizar) de distância, transformando a busca por afeto em uma tarefa exaustiva de consumo.

Schwartz propõe quatro parâmetros para esta crise, diante de inúmeras opções, as pessoas ficam incapazes de escolher. Mesmo quando conseguimos tomar uma decisão, a satisfação com o resultado é menor. O motivo é que, com muitas opções, é fácil imaginar que uma das alternativas rejeitadas teria sido melhor. 

A abundância de escolhas eleva nossas expectativas a níveis irrealistas. Acreditamos que, com tantas opções, devemos encontrar a escolha perfeita. E quando a escolha é ruim em um ambiente com poucas opções, culpamos o mundo exterior (a falta de alternativa). No entanto, quando há centenas de opções e a escolha falha, a culpa recai totalmente sobre o indivíduo: “Eu tinha tantas opções, e mesmo assim escolhi mal.” Essa auto-culpabilização diminui o bem-estar e aumenta o risco de depressão.

Schwartz descreve dois tipos de tomadores de decisão, os Maximizadores e os Satisfeitos. Os primeiros buscam a melhor escolha absoluta, examinando e comparando todas as opções antes de decidir. Num comportamento projetivo de um ideal. Enquanto o outro grupo busca uma escolha que seja “boa o suficiente”. 

Eles estabelecem critérios e param de procurar assim que encontram uma opção que os atenda, num movimento de sustentação da angústia da incompletude.  Sem dúvidas que conseguem levar uma vida menos dolorosa, já que estão mais próximos de aspectos realistas de um relacionamento.

Portanto, plataformas digitais colocaram milhares de potenciais parceiros na palma da mão, transformando a busca por um relacionamento em uma experiência de consumo. Assim como ao escolher um produto, avaliamos perfis, deslizamos para a esquerda (descartamos) e para a direita (interessados), alimentando a sensação de que “sempre pode haver alguém melhor no próximo match“.

O preço dos relacionamentos descartáveis é a insegurança permanente e o aumento da ansiedade. Embora as pessoas estejam teoricamente mais “conectadas” do que nunca, o resultado paradoxal é um sentimento de solidão, pois essas conexões superficiais não conseguem preencher a necessidade humana por laços autênticos.

Sempre é tempo de desatar nós, e se permitir ser amada!

Referências:

Christian Dunker: o amor é um risco e um veneno em potencial – Instituto de Psicologia – USP acesso em 28/09/25 https://www.ip.usp.br/site/noticia/christian-dunker-o-amor-e-um-risco-e-um-veneno-em-potencial/ 

Lima, V. C., & Santos, C. P. D. (2011). Paradoxo da escolha: o número de opções para maximizadores e satisficers. Faces: uma revista de idéias. Belo Horizonte. Vol. 10, n. 4 (out./dez. 2011), p. 17-40.

Prof. Dr. William Figueiredo é filósofo, psicanalista, pós-doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia e doutor em Ciências da Religião. Especialista em Psicopatologia e Bem-Estar Social pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, atua com atendimento clínico online, supervisão e assessoria em desenvolvimento humano e educacional. É também professor colaborador na Universidade Metodista de São Paulo e no Instituto Ânima, como formador em Educação Socioemocional. Ministra palestras, formações e workshops voltados à escuta qualificada, saúde mental e processos educativos.

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