Segundo estudo publicado na “Nature Medicine”, 84% dos pacientes desenvolveram resposta imunológica capaz de combater mutações no gene KRAS
Uma vacina experimental pode prolongar em anos a vida de pacientes com câncer de pâncreas e intestino. O imunizante ELI-002 impediu que a doença voltasse na maioria dos participantes de estudo clínico divulgado em 11.ago.2025. Leia a íntegra (PDF – 7 MB).
Dos 25 pacientes que receberam a vacina, 84% desenvolveram resposta imunológica capaz de combater tumores com mutações no gene KRAS. Aqueles com forte resposta imunológica não tiveram recidiva do câncer durante quase 20 meses de acompanhamento.
Em contraste, pacientes com baixa resposta imunológica apresentaram retorno da doença em apenas 3 meses.
Tecnologia direciona para os “centros cerebrais” do sistema imune
Os resultados atualizados do estudo, publicados na revista científica Nature Medicine, mostram que a vacina da norte-americana Elicio Therapeutics ensina o sistema imunológico a reconhecer e destruir células cancerígenas específicas.
O diferencial está justamente em sua tecnologia de direcionamento. A vacina utiliza uma plataforma proprietária chamada anfífilos (AMP) que transporta peptídeos mutantes de KRAS diretamente para os linfonodos, os “centros cerebrais” do sistema imunológico.
Lá, treina as células T –os “soldados” do sistema imunológico– para reconhecer e destruir seletivamente as cancerígenas com mutação KRAS.
A ELI-002 ativa as células T em mais de 80% dos pacientes. Em 24% dos casos, essa resposta foi tão eficaz que eliminou completamente os sinais de doença residual detectáveis no sangue.
A proteína KRAS atua como um “interruptor” que controla quando as células devem crescer e se dividir. Quando o gene KRAS sofre mutação, o interruptor fica permanentemente “ligado”, resultando na proliferação descontrolada das células e formação de tumores agressivos.
Essas mutações são encontradas em aproximadamente 90% dos casos de câncer de pâncreas e 50% dos tumores colorretais.
“A alteração do KRAS é uma alteração importante dos tumores e é um mecanismo pelo qual ele cresce, invade, se desenvolve e causa metástases. Portanto, atacar o KRAS é um alvo extremamente importante em várias terapias”, diz Fernando Maluf, médico oncologista
Vacina “pronta para uso”
O câncer de pâncreas e colorretal estão entre as malignidades mais desafiadoras devido às altas taxas de recorrência após tratamento convencional.
A sobrevida de 5 anos é de apenas 23,3% para pacientes com recidiva da doença. A recorrência do câncer de pâncreas é considerada “quase uma certeza” após terapia padrão.
A ELI-002 é um produto padronizado e traz vantagens como menor custo de produção e disponibilidade rápida. “Essa vacina, aparentemente, ela é segura e ela é off the shelf. O que significa isso? Ela não precisa ser personalizada para cada tipo de paciente”, explica o médico.
Redução de 88% no risco de progressão
O estudo incluiu 20 pacientes com câncer de pâncreas e 5 com câncer colorretal que haviam completado cirurgia e quimioterapia, mas ainda apresentavam sinais de doença residual mínima no sangue.
A análise por subgrupos revelou que, dos 25 pacientes do estudo, 17 desenvolveram resposta imunológica forte à vacina. E esses tiveram 88% menos chance de ter o câncer voltando ou de morrer –em comparação aos 8 pacientes que tiveram resposta fraca.
“A sobrevida livre de progressão, sim, foi bastante promissora, de quase um ano e meio, e a sobrevida global também foi interessante, ao redor de 30 meses”, diz Maluf.
Um aspecto interessante, segundo o médico, foi o fenômeno de “espalhamento de antígenos” observado em 67% dos pacientes testados. Isso significa que a vacina não só treinou o sistema imunológico para atacar as mutações KRAS específicas, mas também promoveu expansão de células T que reconhecem outros antígenos tumorais não presentes na vacina.
Além da eficácia, o perfil de segurança da vacina se mostrou favorável. O estudo não reportou toxicidades limitantes de dose ou eventos adversos relacionados ao tratamento de grau 3 ou superior. Tornou-se a candidata ideal para uso como terapia de manutenção em pacientes de alto risco.
Os resultados da ELI-002 representam um avanço significativo na oncologia, demonstrando que é possível treinar o sistema imunológico para atacar de forma precisa e eficaz células com mutações KRAS.
“Outros tumores também expressam KRAS e a ideia é que isso possa eventualmente ser usada para outros tumores também. Então, sim, há uma potencial utilidade da vacina”, conclui Maluf.
O Comitê Independente de Monitoramento de Dados do estudo já recomendou sua continuidade sem modificações.
A análise final da sobrevida livre de doença para o estudo está prevista para o 4º trimestre de 2025. Seus resultados devem dar a validação definitiva do imunizante.