Nenhum outro alimento é tão completo, acessível e poderoso quanto o leite materno. Ainda assim, amamentar continua sendo um privilégio para poucas e um desafio diário para muitas. No Agosto Dourado, mês de conscientização sobre a importância do aleitamento materno, especialistas voltam a colocar o tema no centro do debate, à luz dos dados que ainda revelam uma dura realidade: menos da metade dos bebês brasileiros recebem leite materno exclusivo até os seis meses de vida.
“Amamentar deveria ser um gesto simples e natural. Mas, na prática, é um percurso repleto de obstáculos, especialmente quando a mulher está sozinha”, afirma a pediatra Mirna de Sousa, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). “É hora de pararmos de responsabilizar apenas a mãe e começarmos a enxergar o aleitamento como uma construção coletiva, que precisa do envolvimento de toda a sociedade.”
A fala da profissional ganha ainda mais urgência quando colocada ao lado dos números do Enani (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil): apenas 45,7% das crianças brasileiras são amamentadas exclusivamente até os seis meses, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). A especialista aponta que o problema não é desconhecimento. É estrutura.
“Faltam políticas públicas eficazes, faltam profissionais capacitados na atenção básica, faltam ambientes acolhedores nos hospitais, nas empresas e até dentro das famílias. E sobra julgamento. Amamentar é um ato de entrega e vulnerabilidade, e ninguém deveria ter que enfrentar isso sozinha”, destaca.
Benefícios além da nutrição
A ciência é unânime: o leite materno é insubstituível. “Ele protege contra infecções, fortalece o sistema imunológico, reduz o risco de doenças respiratórias, alergias, obesidade, e ainda favorece o desenvolvimento neurológico e emocional”, pontua Mirna. Para a mulher, os ganhos também são expressivos: recuperação mais rápida no pós-parto, prevenção de anemia e menor risco de câncer de mama e de ovário.
Mas a pediatra vai além da biologia: “Amamentar é um ato de presença, de vínculo, de amor. E também de resistência, quando pensamos nas mulheres que enfrentam jornadas duplas, ou que voltam ao trabalho sem suporte, ou que lidam com a pressão de interromper precocemente esse processo.”
Pouco se fala, mas o leite materno também é um ato ecológico. “É um alimento natural, produzido sob demanda, sem gerar lixo, sem precisar de transporte, refrigeração ou embalagens. Incentivar a amamentação é promover um modelo de alimentação mais sustentável e mais justo com o planeta”, explica a médica.
Um mês para iluminar a causa
Dentro do Agosto Dourado, a Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM), celebrada de 1º a 7 de agosto, reforça essa agenda em nível global. Em 2025, o tema gira em torno da criação de sistemas de apoio sustentáveis, reconhecimento de que a amamentação depende de suporte, políticas públicas, ambientes adequados e acesso à informação confiável.
Para a pediatra, o momento é oportuno para que a imprensa, os profissionais da saúde e a sociedade como um todo se unam na construção de uma nova cultura sobre o aleitamento. “Precisamos resgatar o protagonismo das mulheres sem cobrar perfeição delas. E, mais importante, garantir que nenhuma mãe se sinta desamparada ao tentar exercer esse direito. Amamentar é natural, mas a rede de apoio precisa ser intencional.”