Amizade virtual

Estava eu, lutando contra o sedentarismo, fazendo uma caminhada marota, sem celular, sem fone, olhando em volta e andando, parecendo um suspeito. Eu não carregava nada, não tirava uma foto, não ouvia um áudio, não rolava a tela dopaminérgica das redes sociais. Avistei um amigo, vindo em minha direção, caminhando também, abri um sorriso e gritei seu nome. O mesmo abaixou a cabeça e evitou me cumprimentar, fiquei encucado com aquilo, desde a escola nos cumprimentamos assim. Eu nunca lhe devi dinheiro, já até passei cola para ele, por que ele não quis falar comigo?
Em casa fui pesquisá-lo na rede social e descobri que ele havia desfeito a amizade. Em tempos modernos, a amizade virtual é parte da amizade virtual. A internet criou uma falsa ilusão de estarmos sempre em contato com os mais longínquos amigos, ou conhecidos, na verdade, tem pessoas que conhecemos em um evento ou final de semana e nunca veremos devido às circunstâncias da vida ou a geografia do mundo mesmo, ainda assim acompanhamos sua vida a cada stories como se fossemos íntimos. Eu tenho uma amiga, posso chamá-la assim porque nos consideramos amigos por ambas as partes, passamos quinze dias juntos em uma viagem no ano de 2010 e atualmente faz quinze anos que não nos vemos pessoalmente e mesmo assim, trocamos mensagens e acompanhamos a vida um do outro.
E para saber da vida do outro, às vezes a rede social não basta, tem que olhar o do namorado, do ex, do ficante, da mãe e até dos inimigos se for preciso. Só assim fico sabendo quem trocou de emprego, se começou a academia ou fez uma trilha no final de semana, se está com namorado novo. Inclusive, o Dia dos Namorados vale cada centavo pago de internet, onde se apresentam cônjuges, namorados e affairs. Descobrimos que pessoas que se diziam solteiras são muito bem casadas e alguns revelam sua orientação sexual. Não é que eu seja contra, mas quando estamos solteiros, tentamos nos relacionar com qualquer um, e saber a orientação de alguém nos ajuda a evitar um fora. No meu caso, vários ao longo da vida.
Instalei um app que diz quem deixou de ser seu amigo e fiquei horrorizado com o tanto de amigo que perdi. Mas eu lembrei que já desfiz muitas amizades também, geralmente por algum post racista, misógino ou defendendo a meritocracia que só deu certo para os já favorecidos. Eu não precisava saber que tantas pessoas desfizeram a amizade virtual, isso me deixou mal. Levando em consideração que algumas pessoas eu nem sei por anda há tanto tempo, fazer uma limpeza virtual não deva ser tão ruim. Por que eu preciso saber tanto sobre a vida das pessoas? A quem interessa tanta exposição da vida? Por bem ou mal, eu tento utilizar menos as redes e fortalecer a amizade real. Agora começo a entender o sentido da palavra quando dizemos que ter amigos custa caro, sendo poucos.
Só agora percebo o quão dispendiosa é a amizade, e por que os verdadeiros amigos são raros.
Beijo, gente.

Thiago Maroca é escritor, membro da Academia Valparaisense de Letras, produtor audiovisual, mestre em educação, escoteiro, pai do Théo e uma meia dúzia de coisas que não cabem nesse espaço.
Manda um OI:@thiagomaroca / thiagomaroca@gmail.com

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