A vida, assim como a educação, é feita de ciclos

A vida, assim como a educação, é feita de ciclos. Hoje, eu venho em primeira pessoa, dizer que encerrei mais um ciclo. Tomei a decisão egoicamente e fechei, encerrei os trabalhos presenciais da EAI – Espaço de Aprendizagem Integrada.

Olhando um pouco mais atrás, nesses 34 anos de magistério, já vi muitos ciclos se iniciarem e terminarem diante dos meus olhos e das minhas salas de aula. Ainda no finalzinho dos anos 80, mais precisamente em novembro de 1989, eu assumia a minha função como professora da antiga Fundação Educacional.

Os currículos e as formações diversas, em mais de 30 anos de careira na educação, não poderiam ter ficado desapercebidos. Experienciei o Hulk, nome dado ao currículo de capa verde, bem forte e assustador aos olhos das professoras normalistas. Fui formadora do Construtivismo, Aceleração da Aprendizagem, Parâmetros Curriculares Nacionais e ainda pude participar como gestora do Projeto Sucesso no Aprender que acontecia aos sábados. Em paralelo a tudo isso, fui para o norte do país com a Alfabetização Solidária. O projeto da Alfabetização Solidária consistia em formar professores locais para alfabetizar adultos em locais remotos. A primeira, à época, Dona Ruth Cardoso, assim como a Esther Pillar Grossi, sabiam das coisas. Elas defendiam uma educação simples e para todos. Educar com poucos recursos e muita vontade de fazer a diferença na vida, na dignidade das pessoas não letradas. Alfabetizar um adulto é tirá-lo da escuridão.

Independente dos ciclos pelos quais eu, como professora, e a educação passaram, eles abrem e fecham. Os ciclos são assim, finitos.

No início da minha carreira educacional me deparei com uma turma de 3º ano, antiga 2ª série, mas não era uma turminha comum, era uma turma do CBA continuando. CBA significava Ciclo Básico da Alfabetização, onde os estudantes tinham um período de 3 anos para se alfabetizar. Existiam 3 anos distintos:  o iniciando, o continuando e o concluindo. Os estudantes ingressavam no iniciando em um ano e iam para o concluindo no ano seguinte. Já os estudantes que não alcançavam os índices mínimos para concluir a alfabetização iam para uma turma intermediária chamada de CBA continuando. Muitas vezes esse período durava mais de um ano e os estudantes acabavam por concluir a alfabetização em 4 anos! Uma loucura de tempo longo. Para minha surpresa, somente as professoras recém-formadas tinham a sorte de reger essas turmas do CBA continuando, afinal, as professoras mais antigas poderiam escolher as melhores turmas devido a ter mais pontos para participar da escolha. Enfim, me coube a missão de alfabetiza uma turma do CBA Continuando e missão dada é missão cumprida. 

Recebi a turma de CBA continuando e no meio do ano fizemos a migração para o CBA concluindo. Para surpresa de todos os educadores da escola, eu acreditei no potencial dos estudantes e consegui alfabetizar a todos. Assim começou a minha missão na educação: acreditar que todos podem aprender.

Nunca me incomodei com a quantidade de estudantes em classe ou com a vida pregressa de insucessos na educação. O meu foco era, de formas diferentes, ensinar e promover a aprendizagem. Quantas críticas eu ouvi e aprendi a escutar e a conviver com elas. A razão para suportar tudo isso era educação, não a aceitação. Os resultados eram bons e isso era o que mais importava. Sobre essa escola de periferia onde tive a oportunidade de alfabetizar e obter sucesso já no meu 1º ano de magistério, me deparei com uma situação costumeira intrigante. Todos os dias na volta do recreio eu sentia falta de um estudante. Ele tinha apenas 9 anos e fugia da escola. Um belo dia eu não aguentei e proibi o estudante de fugir. O estudante permaneceu na sala de aula durante todo o recreio. As crianças corriam, gritavam pelo pátio e nem sinal dele que continuava em sala de aula. Quando eu entrei em sala de aula após o recreio, o estudante parou diante de mim e disse que iria sair da escola naquela hora porque precisava ir aop mercado e empacotar as compras das senhoras a troco de gorjeta para alimentar os seus irmãos menores que estavam em casa. Era a realidade da fome que se mostrava nua e clara em minha frente. Lembro que naquela época eu ensinava na rede pública pela manhã e n a rede privada no período da tarde. Foi muito impactante ver a discrepância social que se apresentava na minha frente. Foi muito triste, e a partir daquele dia eu suportei as fugas daquele estudante com maior compaixão.

Era preciso repensar e reavaliar a vida e a forma de existir no contexto da educação. Era preciso ensinar a ser. Era preciso aprender, mas para isso a merenda escolar precisava ser mais eficiente e nutritiva. Nem só de letras e números era possível ensinar aos estudantes. A aprendizagem se tornava um dos pilares, não o fim. Ensinar na integralidade era o meu lema. De que adiantaria ter estudantes nota 10 que não se respeitavam ou não sabiam cumprir e, ou respeitar o seu semelhante? 

Os anos se passaram e com eles a maturidade de que os ciclos passam, contudo os bons ensinamentos ficam.

O encerramento das atividades presenciais na EAI, Espaço de Aprendizagem Integrada me deixou uma certeza de que é preciso fechar um ciclo para iniciar outro. Que é preciso parar, refletir e ponderar sobre como fazer e quando fazer a diferença na vida das pessoas e dos estudantes. Me despeço parafraseando uma canção escoteira de origem escocesa escrita por  Robert Burns que nos fala: “não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus, bem cedo junto ao fogo tornaremos a nos ver”. Até breve.

Adriana Frony, professora, administradora, especialista em gestão escolar, mídias sociais, mestranda em ciências da educação, escoteira, palestrante e mentora com mais de 30 anos de experiência na educação, dedicou-se a transformar a aprendizagem em uma experiência alegre e significativa para seus alunos. Acredita que educar é um ato de coragem e amor, que deve ser vivido com liberdade e criatividade. Contato: espacodeaprendizagemintegrada@gmail.com

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