Jornal faz uma crítica ao republicano ao usar jogo de palavras para dizer que no país os veículos de mídia não podem noticiar a história completa
O jornal britânico The Guardian lançou na 2ª feira (22.set.2025) uma campanha de publicidade nos Estados Unidos. A editora-chefe do Guardian News & Media, Katharine Viner, disse que, “com tantos veículos dos EUA sob pressão e outros escolhendo comprometer sua independência editorial”, a publicação classifica que esse é “o momento perfeito” para uma reapresentação ao público norte-americano.
Produzida pela agência Lucky Generals, a campanha conta com painéis em linhas e plataformas de metrô de Nova York, além de outdoors interativos. Eles exibem frases e imagens que mostram uma coisa separadamente, mas que têm outro sentido quando estão juntas. Daí o nome da campanha: “The Whole Picture” (o cenário completo, em tradução livre).
“Em um país sobrecarregado de opiniões rápidas, meias-verdades e confiança no jornalismo em erosão, trabalhar junto para contar ‘a história completa’ parecia urgente e importante”, disse Conner Tobiason, diretor-executivo criativo da Lucky Generals.
Os painéis contam com 3 imagens, sendo que cada uma das palavras que dá nome à campanha estará em uma delas. Na 1ª, uma tarja inferior com uma frase sobre o tema; na 2ª, o símbolo do jornal; e na última, o slogan “Jornalismo que é global, independente e grátis”.
A “The Whole Picture”, que vai ser veiculada durante 4 semanas, é inspirada em uma campanha premiada do The Guardian de 1986. Conhecida como “Pontos de Vista”, a peça mostrava vários recortes de uma mesma cena, mas dizia que a verdade só pode ser compreendida quando todos os ângulos são mostrados de forma completa.
Em um dos conjuntos de imagens, vê-se hélices de energia eólica no mar do Norte, algo que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), critica frequentemente. Na 2ª, o republicano aparece com o cabelo “bagunçado”, e na última, uma chuva forte na China.
Na tarja da 1ª imagem, o jornal faz um trocadilho com a expressão inglesa “get wind of”, que significa “ficar sabendo de algo” ou “tomar conhecimento”. Ao usar a palavra wind (vento), o cartaz cria um duplo sentido: remete tanto ao vento como fonte de energia e símbolo das mudanças climáticas quanto à ideia de informar o leitor sobre “quem ganha e quem perde com o clima”.

Divulgação/Lucky Generals
Os outdoors trazem uma frase com diversas tarjas escondendo o conteúdo. Dessa forma, a frase vista diz que os veículos de comunicação nos Estados Unidos não podem publicar o cenário completo.
Ao retirar essas tarjas, a frase apresentada é: “O ‘The Guardian’ não é o maior veículo de notícias dos Estados Unidos, nem o mais rico. Mas temos uma coisa que outras redações globais não têm: uma independência feroz. Ninguém nos controla ou nos diz o que podemos ou não publicar. Então, somos livres para fazer o trabalho que viemos aqui fazer: reportar o cenário completo”.
A campanha em Nova York faz parte da estratégia de avançar ainda mais no mercado norte-americano. Katharine Viner disse que, durante mais de 10 anos, a cobertura do jornal no país tratou de temas como crise climática, injustiça racial e violência armada, atingindo uma audiência de mais de 40 milhões de pessoas, com centenas de milhares de assinantes pagantes.
“Nós sabemos que os norte-americanos neste momento estão desejando exatamente o que o ‘The Guardian’ oferece: jornalismo que é global, independente e gratuito”, declarou.
A operação nos Estados Unidos inclui aumento no investimento, com contratações de dezenas de funcionários, principalmente em Nova York e Washington. O The Guardian também vai lançar um podcast e planeja ampla cobertura da Copa do Mundo do ano que vem, que será disputada no país em parceria com México e Canadá.
“Desde que começamos a pedir aos leitores dos EUA que apoiassem o ‘The Guardian’, nossa receita lá [nos EUA] decolou, alcançando US$ 75 milhões no ano passado, com metas ainda maiores para o futuro”, disse a CEO Anna Bateson.
A campanha também será veiculada nos próprios canais do jornal, incluindo uma landing page, áudio do The Guardian, vídeos e newsletters. Um dos vídeos terá a editora dos EUA, Betsy Reed, guiando os leitores pela nova campanha.
“Enquanto outros veículos ao nosso redor buscaram agradar Trump reduzindo sua cobertura, nós nos mantivemos firmes, e isso ajudou a consolidar nossa identidade nos EUA”, disse Bateson.
Assista a um vídeo, em inglês, sobre a campanha (1min48s):
THE GUARDIAN INSPIROU OLIVETTO
A mesma campanha que inspirou a Lucky Generals deu a ideia para o publicitário brasileiro Washington Olivetto criar uma de suas peças publicitárias mais conhecidas, em 1987, sempre citada como obra-prima.
O filme de 1 minuto para a Folha de S.Paulo tem um narrador citando uma série de informações sobre Adolf Hitler e seu governo e, em seguida, a frase: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”.
Assista (1min):
Fã da publicidade britânica, Olivetto, que morreu em 2024, disse em entrevista de outubro de 2020 ao Poder360 que o conceito do comercial feito para a Folha em 1987 foi parcialmente inspirado no anúncio veiculado 1 ano antes pelo The Guardian.
Assista (29s):